O Homem e o Pau

Antigamente, o homem do campo, na sua generalidade, não possuia armas de fogo. E, nessa atmosfera de violencia e perigo latente, o pau era além de companhia e apoio, a sua arma. Quase todos aprendiam a manejar, melhor ou pior. Pode dizer-se que, por  todo esse norte, um homem nao saía de casa sem levar o seu pau, normamente quando ia de jornada para um ponto mais longe, na previsão de encontros fortuítos ou propositados, em traíçoeiras "esperas" nos caminhos, para se defender dos seus adversarios, ou para os atacar em satisfação dos seus propositos legitimos ou ilegitimos, em combates individuais, de homem para homem ou de um ou poucos mais contra varios. Mas era sobretudo quando ia sozinho ou em grupo com a gente da sua aldeia, a feira ou romarias comparecia normalmente gente de outras aldeias, e era sempre de recear que entre umas e outras se desencadeassem rixas, por razões de momento ou em nome de desavenças antigas.
Era mesmo corrente, em certas partes, duas aldeias rivais comparecerem tradicionalmente a determinadas romarias, para desforras sucessivas e encadeadas.
Nesses casos, as pessoas iam já dispostas ao combate, que se desencadeava ao menor sinal, pretexto ou provocação. Entao, um levantava o pau, o adversario respondia, saltavam os demais de um e outro lado aos gritos de "eh amigos! é agora!", "é uma, é duas, e trés", ....o folego ou a valentia dos jogadores. E era o "varrer" da feira ou do terreiro, verdadeiras lutas campais, de paus que se cruzam no ar no furor das pancadas, num jogo largo de vaira ou "varrimento", entre nuvens de po, no meio da gritaria das mulheres que fugiam em todas as direcçoes.
E, afinal, havia sempre cabeças rachadas, e por vezes ali ficava um ou outro homem morto ou a agonizar. Por outro lado, o jogo era um elemento potencial de intimidação,  tornado mais poderoso ainda pela aura heroica de que se rodeavam os jogadores.
Em certas partes, havia gestos especificos de desafio: "riscar o campo" isto é, fazer no chao um risco com o pau, e ditar uma combinação arrogante a quem o atravessasse, ou, mais genericamente, passar arrastando o pau pela frente dos inimigos.
Nesse jogo "a matar" nao havia que observar regras; todos os meios e golpes se usavam, somente uma garantia maior: Vencer.

O pau foi o símbolo prestigiante de um grupo que teve, em Fafe, a sua maior representação no século XIX, no qual se manteve até meados deste século. Sabemos que o jogo do pau é uma prática de homens, do qual são  excluídas as mulheres, os velhos e as crianças. Para os de sexo masculinos, entrar no jogo do pau era o reconhecer-se a entrada no grupo de adultos e como tal inscrevia-se num rito iniciático e incluía uma apredizagem técnica prévia.

Assim, ao pau de lodo (lodão) cujas características materiais são: não partir, ser leve e raro, opõe-se, a vara de marmeleiro que é frágil. Se o primeiro é o objecto de representação masculina e de proprietário, o segundo é próprio para as actividades agrícolas: tanger o gado, sendo no seu extremo colocada uma ponta metálica afiada para picar os bois ou vacas nos trabalhos agrícolas. A vara é assim um objecto feminino, para usos dos caseiros, jornaleiros ou das mulheres.

Mestre Monteiro, originário da região de Fafe, conta que no tempo da juventude de seu pai havia duas povoações que frequentavam ao Domingo a mesma capela, levando, como era de tradição, cada homem ou moço a sua vara, de tal forma que quando se ajoelhavam na missa se viam todos os paus em posição vertical saindo acima das cabeças. Depois da cerimónia era frequente, num largo ali perto, haver conflitos entre os rapazes das duas aldeias, que começavam por qualquer pequena razão (um piropo a uma rapariga da aldeia vizinha, os ciúmes de um enamorado preterido por outro, uma discussão por causa de canais de irrigação...) e que se resolviam à paulada. Mas não se pense que era o combate destituído de regras. Havia um código ético, que proibia aos lutadores baterem em homem que não levasse pau, ou que estivesse por terra.

 

 

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