O Folclore

 

Os ranchos folclóricos desempenham um importante papel na salvaguarda na nossa cultura tradicional, inserindo-se no domínio da etnografia eles cumprem a função de um museu vivo através do qual se procura preservar a memória e a identidade cultural do povo. Neste domínio, os grupos e ranchos folclóricos, não devem limitar-se a serem meros grupos de danças e cantares. 

Há muito tempo que o trabalho de recolha deixou de ser feito directamente no terreno junto das pessoas mais idosas porque estas já não viveram a época que constitui o nosso objecto de estudo. As fontes de pesquisa passaram a centrar-se noutras fontes documentais, mormente nas peças de vestuário, na fotografia e na literatura, constituindo os arquivos e os museus da especialidade autênticos lugares de memória. 

O estudo, porém, deve ser criterioso e não limitar-se a uma mera cópia do trabalho feito por grupos mais antigos por mais prestigiados que eles sejam. A análise dos costumes deve observar a evolução histórica dos costumes e das mentalidades, dos materiais e da própria sociedade. 

Os ranchos folclóricos destinam-se também a proporcionar um espectáculo a quem assiste à sua actuação, constituindo esta uma das suas principais vertentes. Mas, sem pretender desvalorizar esta função diminuindo a qualidade da sua representação, esta jamais deve sacrificar a verdade e o rigor etnográfico sob pena de se descaracterizar enquanto rancho folclórico e prestar um mau serviço à cultura tradicional. A preocupação em agradar ao público não deve levar à invenção de novas coreografias, à alteração dos ritmos das danças e à modificação dos trajes. 

Mais recentemente, a fim de despertarem o interesse do público, alguns ranchos folclóricos passaram a incluir nas suas actuações a representação de quadros etnográficos, intercalando com a exibição das danças e cantares. Trata-se de representações teatrais que ajudam o espectador a melhor compreender a razão de ser de algumas danças tradicionais. De resto, constitui uma feliz combinação de teatro, dança e canto. Sucede, porém, que muitas das vezes tais representações pecam pela sua evidente falta de qualidade e até pela ligeireza dos temas escolhidos.

 

Extracto http://etnografiaefolclore.blogspot.fr/

 

 

 

ORIGEM DO TERMO FOLCLORE

 

 

 

Tal como a língua e a história, o folclore, conjunto de manifestações da cultura popular tradicional, retrata a alma de um povo, exprimindo sentimentos e valores estéticos que muitas vezes influenciam as expressões mais elaboradas da cultura de cada nação.
Não existe uma definição universalmente aceita para o termo folclore, usado em geral para traduzir as manifestações artísticas dos povos, ou de alguns de seus estratos sociais, que surgem de maneira espontânea e à revelia da cultura oficial. A palavra folclore também se aplica à ciência que estuda essas manifestações.
Até fins do século XVIII, as elites cultas consideravam as expressões da cultura popular, fossem elas danças, contos, sagas ou peças de artesanato, como produtos da ignorância e do desconhecimento das ciências e artes, patrimônio das classes superiores. No início do século XIX, alguns estudiosos começaram a valorizar certas criações populares como a poesia, na qual encontravam um frescor e uma profundidade que contrastava com o formalismo e a rigidez da arte acadêmica.
O filósofo alemão Johann Gottfried von Herder observou que a literatura "popular" é um "arquivo" imaterial onde os povos conservam sua memória coletiva. Foram os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm que, nas coletâneas Kinder- und Hausmärchen (1812-1822; Contos para crianças e para o lar) e em Deutsche Mythologie (1835; Mitologia alemã), mostraram que as fábulas populares não só encerram interesse literário, como também contêm, não raro, chaves que permitem o acesso às mais antigas crenças religiosas.
Essa relação entre a literatura folclórica e a história das religiões foi logo corroborada pelo descobrimento da antiga língua sânscrita, cujo parentesco com os idiomas europeus não tardou a ser demonstrado. Em meados do século XIX, o filósofo alemão Max Müller chegou à conclusão de que as narrativas populares continham os restos da antiga religião dos povos arianos, ocultos pela evolução da linguagem. Em 1846, o inglês William John Thoms propôs substituir os termos um tanto pejorativos que então se usavam para designar as artes populares pelo vocábulo anglo-saxão folklore (de folk, "povo", e lore, "saber ou conhecimento tradicional").
Desde então, o estudo do folclore tem-se desenvolvido em três vertentes principais: a humanística, a antropológica e a psicanalítica. A primeira perspectiva examina os fenômenos folclóricos, sobretudo os literários, de forma crítica. O inspirador dessa corrente, o inglês Albert Lord, após estudar os procedimentos dos cantores populares eslavos, aplicou suas conclusões ao estudo dos poemas homéricos, que pertencem seguramente a uma tradição oral primitiva. Segundo Lord, os bardos antigos combinavam suas obras com uma série de imagens, epítetos e expressões convencionais aplicados a uma tradição que lhes era anterior.
A escola antropológica relaciona as produções folclóricas com a totalidade da cultura a que pertencem e revela as normas e os valores que deixam transparecer. No Reino Unido, Sir Edward Burnett Tylor e Andrew Lang, fundadores da escola antropológica, mostraram que o folclore europeu vai muito além de uma suposta cultura ariana primitiva, pois pode conservar até elementos pré-históricos.
Para a perspectiva psicanalítica, mitos, sonhos, chistes e contos de fadas expressam camadas ocultas de desejos e medos inconscientes. Para Freud, os materiais folclóricos devem ser interpretados simbolicamente em termos de imagens sexuais e do complexo de Édipo.
As três vertentes de estudo do folclore não se excluem entre si, mas desde a década de 1960 os estudiosos costumam dar preferência ao enfoque da escola antropológica. Os folcloristas também estão acordes em que as criações populares servem a múltiplos propósitos. Assim, a literatura folclórica, com seus heróis sobre-humanos, seus países maravilhosos e seus seres fantásticos, permite às pessoas escaparem do estreito círculo da vida cotidiana. Essa literatura responde também às grandes indagações do homem sobre sua própria origem e a origem do mundo, sobre sua história e destino. Mostra ainda a utilidade e o sentido das instituições sociais, ao mesmo tempo que instrui sobre o comportamento social correto. Desse modo, o folclore, que nesse sentido se relaciona com o mito, atua como elemento de coesão da sociedade humana.
Essas funções não são importantes apenas entre as classes rurais e relativamente atrasadas, como se costumava acreditar. No século XX, foi possível observar que, ao folclore que os camponeses levavam consigo ao se transferirem para as cidades, vinha acrescentar-se outro, criado pelos habitantes urbanos.
Por outro lado, as primeiras investigações acerca do folclore demonstraram que os elementos orais cumprem determinado percurso geográfico e persistem ao longo dos tempos. Além disso, adaptam-se a cada sociedade e ao momento histórico que encontram em seu caminho. O folclore, pois, difunde-se e adapta-se de maneira permanente, e assim seus elementos são ao mesmo tempo estáveis e acentuadamente mutáveis. Em termos gerais, é possível afirmar que o acervo folclórico universal é constituído pela literatura, pela música e a dança, e por criações de ordem material.